Lucas Silveira, instrutor-chefe da Academia Brasileira de Armas.
É curioso como a atividade de instrução de tiro virou moda.
Imagino que seja resultado das fotos dos highlights dos eventos, com gente vestindo camuflado, empunhando armas caras, ao lado de alvos furados. Associe isso à gigantesca e irresponsável oferta de “cursos de IAT” no Brasil, e está feita a magia.
Eu não quero desestimular ninguém a seguir a profissão de instrutor (IAT não, por favor!), mas talvez seja pertinente colocar o pé no chão dos aventureiros, vamos lá:
- Boa parte das vezes em que você vai pra uma linha de tiro, você se isola da sociedade com uma ou mais pessoas que você não conhece muito bem. Se você não está pronto para enfrentar alguém e matar ou morrer, não venha pra linha.
- Tudo o que acontece na sua linha é de sua responsabilidade. Não tem “mas”. Se você não chama responsabilidades para você, não venha para a linha.
- O que acontece com seus instruendos fora da linha também é sua responsabilidade. Se você não quer ter um compromisso vital com alguém que você não conhecia até há 5 minutos, não venha para a linha.
- Nós trabalhamos em hipotermia e insolação constantes. Se você gosta de manter suas roupas limpas, seu perfume em dia e seu cabelo penteado, se você não gosta de barro, de areia ou de suor, não venha para a linha.
- Existe um milhão de pessoas dando cursos por 1/10 do preço minimamente aceitável. Se você não quer sentar a bunda na cadeira e estudar até conseguir oferecer um serviço diferenciado, não perca seu tempo vindo pra linha.
- Nossa atividade envolve burocracia desnecessária, carregar peso, se machucar, preparar aula, se preocupar com a logística, catar estojos, ser conselheiro, comer mal, manter-se dias em constante esforço físico, pintar, grampear e consertar alvos, ouvir merda pra caralho e precisar de equipamentos caros que não existem no Brasil constantemente. Se seu coração está dividido entre a atividade de instrução e qualquer outra profissão, não venha para a linha.
- Se você busca reconhecimento e altos lucros, se você vê o tiro como um investimento ou uma forma de tirar um extra, não venha para a linha.
- É preciso saber a diferença entre ser sério e levar as coisas a sério. Se você mistura esses dois mundos, não venha para a linha.
- A contaminação é parte inerente da sua vida, que se tornará inexoravelmente mais curta. Se você tem medo de adoecer, não venha para a linha.
- A vida de todas as pessoas vale exatamente o mesmo tanto. Se você não consegue ensinar o porteiro do seu prédio com o mesmo entusiasmo que você ensina a sua turma preferida, se você não é capaz de respeitar a liberdade de cada um e a respeitar todos, sem distinção de qualquer natureza, não suje a porra da minha linha com a sua presença.
Se você se incomodou com este texto, a instrução não é pra você.
Se você chegou até aqui com um sorriso no rosto, agora nós podemos conversar sobre a instrução.
Por tudo isso, vejo que instrução é dedicação, empenho, altruísmo. Dar de si, para que outros se tornem melhores. É espelhar no seu aluno, o
seu melhor, e ganhar a satisfação de ver o resultado positivo, sem ganhar $$$$. Aí vc pode dizer, sou instrutor